Falei-te de tudo quanto amei
para que tu amasses todas as coisas comigo.
Mas os dias correm,
sem palavras.
Sonhei-te para permanecer no teu abraço prolongado.
Mas o dia amanhece,
espesso,
cansado e vazio.
É preciso acordar.
Mas nesta roda
todas as palavras são cegas e mudas
e tu um corpo distante e adormecido.
sexta-feira, julho 22, 2011
sexta-feira, julho 15, 2011
terça-feira, junho 07, 2011
Dia de todos os demónios II
Sempre soube muito de muita coisa, sem saber nada de mim. Nunca me quis adulta, nunca me quis triste, nunca me quis cansada. E ser adulto é ser isso tudo. Anda. Anda comigo, vamos regressar doze anos atrás no tempo. Vamos pegar na mão do pai enfermo, perto do leito da morte. Vamos, pega-lhe a mão, mente e sê adulto. Sê criança e forte. Sê adulto e criança. Vamos. Quero-te forte. Forte só porque sim, porque se não o fores, também ele não o é. Vamos. Arrasta-te no tempo, arrasta-te cinco anos de fingimento. Nada te dói. És tão sublime, és tão indolor. Estás tão afastado de tudo e de todos. Silêncio. Há um silêncio gigante. Cinco anos, passaram cinco anos. Hemorragia, ele teve uma forte hemorragia. Não morreu, mas também não está vivo. A casa enche-se de sangue. Toda a gente saiu à pressa. Ficaste sozinha. Tens quase 14 anos e és um máquina. Indolor, como sempre. Humana, como nunca. Limpas a casa, limpas o sangue. Agora avança, avança até ao presente. Até essa mascara que não cai. Porque os rostos que tinhas, estão gastos, sujos. És adulta, adulta e não sabes fingir. És essa coisa, essa coisa cansada. E queres que te percebam, porque a melancolia vem sempre acompanhada de solidão. Doze anos. Como é que passaram doze anos e cresceste? Como é que que não tiveste tempo de crescer, se foste sempre adulta. Como é que foste sempre isso. Essa coisa. Essa máquina? E sabes, sabes muito de muita coisa. E não sabes nada de ti. És estranha. É isso. Queria definir-te, mas não posso, não consigo. Estás presa ao maldito passado, aos malditos fantasmas. E questionam-te e tiram-te o chão. E é injusto. É injusto porque não sabes. E as pessoas não aceitam que não saibas. E não, não sabes. És mera (des)ilusão.
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A dor estúpida de sempre
quinta-feira, fevereiro 03, 2011
O inferno
Desconfia de si e dos outros e repete no mesmo desespero: - O inferno! o inferno!
Mas o inferno existe?
Mas o inferno existe?
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Raul Brandão
domingo, janeiro 16, 2011
segunda-feira, janeiro 10, 2011
Não mexer
Não mexam nas memórias, por favor. Eu sou a melhor a fazer de conta, façam de conta comigo e, assim, as coisas permanecem mortas. A dor não se ressuscita, nunca.
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A dor estúpida de sempre
sábado, janeiro 01, 2011
Mergulho no Inferno #2
filamentos de gelatinoso neon invadem a catedral
em celulóide do filme nocturno: arquitectura de asas
abóbadas de vento pássaros lixo
som
pálpebras de lodo sobre a boca do homem que rasteja
de engate em engate pelas avenidas da memória
e quando encontra a porta de um bar mergulha no inferno
bebe furiosamente
o peito encostado ao zinco sujo duma geração de subúrbio
presentes aqui os jovens com a canga nos ombros
e o mundo poderia desabar dentro de 5 minutos
o copo estilhaça
os vidros esfregados nos ombros no peito
onde uma veia rebenta para mostrar o radioso canto
depois dança contorce-se embriagado
cobre o rosto suado com a ponta dos dedos espalha
sangue e cuspo construindo a derradeira máscara
cai para dentro do seu próprio labirinto
como se a verticalidade do corpo fosse um veneno
domina-o um estertor
uma corda invisível ata-lhe a voz
não se moverá mais
apesar de nunca ter avistado os órgãos profundos do corpo
sabe que também eles se calaram para sempre
a noite é imensa e já não tem ruídos
a morte vem dos pés sobe à cabeça alastra ferozmente
mas a sua inquietante brancura
só é perceptível na súbita erecção do enforcado
em celulóide do filme nocturno: arquitectura de asas
abóbadas de vento pássaros lixo
som
pálpebras de lodo sobre a boca do homem que rasteja
de engate em engate pelas avenidas da memória
e quando encontra a porta de um bar mergulha no inferno
bebe furiosamente
o peito encostado ao zinco sujo duma geração de subúrbio
presentes aqui os jovens com a canga nos ombros
e o mundo poderia desabar dentro de 5 minutos
o copo estilhaça
os vidros esfregados nos ombros no peito
onde uma veia rebenta para mostrar o radioso canto
depois dança contorce-se embriagado
cobre o rosto suado com a ponta dos dedos espalha
sangue e cuspo construindo a derradeira máscara
cai para dentro do seu próprio labirinto
como se a verticalidade do corpo fosse um veneno
domina-o um estertor
uma corda invisível ata-lhe a voz
não se moverá mais
apesar de nunca ter avistado os órgãos profundos do corpo
sabe que também eles se calaram para sempre
a noite é imensa e já não tem ruídos
a morte vem dos pés sobe à cabeça alastra ferozmente
mas a sua inquietante brancura
só é perceptível na súbita erecção do enforcado
(Al Berto, O medo)
quarta-feira, dezembro 29, 2010
segunda-feira, dezembro 27, 2010
Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um Deus.
O medo, o medo com a cabeça de hidra, que é generalizado em todos nós, é uma ressaca das formas inferiores de vida. Estamos divididos entre dois mundos, um, aquele de que emergimos, e o outro, aquele em direcção ao qual caminhamos. Este é o sentido mais profundo da palavra "humano": somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida está a ser levado a efeito. Temos uma tremenda responsabilidade, e é a gravidade disso que desperta o nosso medo. Sabemos que se não formos em frente, se não realizarmos o nosso ser potencial, recairemos, nos apagaremos, e arrastaremos o mundo connosco na queda. Levamos o Céu e o Inferno dentro de nós e toda a Criação está ao nosso alcance. Para alguns são perspectivas aterrorizantes. Mas desejaríamos que fosse diferente? Seriamos capazes de inventar um drama melhor? (...) Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um Deus.
(Henry Miller)
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Henry Miller
quinta-feira, dezembro 23, 2010
quarta-feira, dezembro 22, 2010
And the days are not full enough
And the days are not full enough
And the nights are not full enough
And life slips by like a field mouse
Not shaking the grass.
(Ezra Pound)
Não lia Pound há muito tempo. Pego neste poema que me traz o desassossego todo numa espécie de dilema nocturno. Penso no absurdo de estar aqui neste exacto momento. A insónia, o desassossego, a insatisfação, tudo. Era suposto parar, era suposto haver um limite. Há silêncio, há solidão, há isso tudo e no entanto não há nada. Acho que é o Caos e a loucura. E tu, sempre tu. Cercando-me as mãos.
Isto é tudo um absurdo. É a náusea há superfície da solidão. A fuga de nada e o medo. E o sono.
segunda-feira, dezembro 20, 2010
a vida toda destinada à demolição
eu continuo aqui... escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar... ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição
uma casa.
sábado, dezembro 18, 2010
O Amor Louco
Os homens desesperam estupidamente do amor - eu próprio desesperei -, passam a vida escravizados pela ideia de que este se encontra sempre para trás, e nunca à sua frente: os séculos passados, a mentira do esquecimento aos 20 anos. Suportam, e, sobretudo, esforçam-se por admitir que o amor, com todo o seu cortejo de luzes, não é, exactamente, para eles mesmos, esse olhar sobre o mundo feito do olhar de todos os adivinhos. Lançam mão de claudicantes e falaciosas recordações às quais chegam a atribuir, na origem, uma queda imemorial, e tudo isso para se não sentirem demasiado culpados. No entanto, naquela promessa que para cada um de nós toda a hora futura encerra, esconde-se o segredo da vida, segredo que um dia poderá, ocasionalmente, vir a revelar-se em qualquer outro ser.
(André Breton, O Amor Louco)
A biblioteca da universidade é uma merda. Ponto.
quinta-feira, dezembro 09, 2010
Riscava a palavra dor no quadro negro
X
Desprezasse o conhecimento
e o terrível sentir de uma palavra moral.
A guerra consigo mesmo,
esse combate mortal, jogava-se, não nas trincheiras
(as trincheiras seriam apenas um expediente
para o vazio que em si parecia contemplá-lo)
mas no seu oco, nessa incerteza que o percorria,
que merecia ser ferida, golpeada,
numa espécie de ódio de si mesmo
que lhe diziam envenenar a alma vienense,
cujos golpes seriam um desvio
para outra coisa, um degrau abandonado,
uma clareza consentida e de partilha improvável.
Riscava a palavra dor no quadro negro
que intensamente lhe tomava o olhar
quando escutava um dos dilectos,
ele que sempre odiara discípulos, e aqui
estava ele, a avaliar a dor do mundo
através de um relance sobre a inviolável
gramática da perplexidade.
(Luís Quintais, Riscava a palavra dor no quadro negro)
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Luís Quintais
There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoar leaves in the glassy stream;
There with fantastic garlands did she come
Of crow-flowers, nettles, daisies, and long purples
That liberal shepherds give a grosser name,
But our cold maids do dead men’s fingers call them:
There, on the pendent boughs her coronet weeds
Clambering to hang, an envious sliver broke;
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide;
And, mermaid-like, awhile they bore her up:
Which time she chanted snatches of old tunes;
As one incapable of her own distress,
Or like a creature native and indued
Unto that element: but long it could not be
Till that her garments, heavy with their drink,
Pull’d the poor wretch from her melodious lay
To muddy death.
Queen Gertrude.
(William Shakespeare, Hamlet. Act IV, Scene VII)
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William Shakespeare.
sábado, novembro 27, 2010
sábado, novembro 20, 2010
Flores na testa
estar sempre com frio
como o caminhar à noite só sem luz
como a árvore que olha com raiva a tempestade
talvez mesmo como a cama
que conserva apenas as formas já desfeitas
dos corpos que nelas se deitam
depois com o vento
é a saudade das madrugadas doutros tempos
quando o simples descer uma escada
era a mais extraordinária das aventuras
quando a certeza de encontrar uns braços abertos
estava evidente no fundo da escuridão
então tudo era simples muito belo
qualquer palavra tua
era a mais maravilhosa das afirmações
qualquer gesto que fizesses
era o mais belo movimento de amor
caminhar ao acaso
era a grande viagem sempre renovada todos os dias
e à noite
não havia frio como agora
mesmo que o mar nos cobrisse de algas
mesmo que a areia
trouxesse consigo o gelo das mais remotas estrelas
agora amor escuto o teu olhar
através da distância cada vez maior e mais alucinante
que nos separa
escuto-o através da ponte
que formaram os caminhos por nós percorridos um dia
vejo-te como partiste
muito pura flores na testa mãos abertas
igual às madrugadas doutros tempos
igual à grande aventura
de caminhar ao acaso
(Mário-Henrique Leiria)
como o caminhar à noite só sem luz
como a árvore que olha com raiva a tempestade
talvez mesmo como a cama
que conserva apenas as formas já desfeitas
dos corpos que nelas se deitam
depois com o vento
é a saudade das madrugadas doutros tempos
quando o simples descer uma escada
era a mais extraordinária das aventuras
quando a certeza de encontrar uns braços abertos
estava evidente no fundo da escuridão
então tudo era simples muito belo
qualquer palavra tua
era a mais maravilhosa das afirmações
qualquer gesto que fizesses
era o mais belo movimento de amor
caminhar ao acaso
era a grande viagem sempre renovada todos os dias
e à noite
não havia frio como agora
mesmo que o mar nos cobrisse de algas
mesmo que a areia
trouxesse consigo o gelo das mais remotas estrelas
agora amor escuto o teu olhar
através da distância cada vez maior e mais alucinante
que nos separa
escuto-o através da ponte
que formaram os caminhos por nós percorridos um dia
vejo-te como partiste
muito pura flores na testa mãos abertas
igual às madrugadas doutros tempos
igual à grande aventura
de caminhar ao acaso
(Mário-Henrique Leiria)
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Mário-Henrique Leiria
quarta-feira, novembro 17, 2010
A outra casa tinha esta saudade
Mas o que é a saudade? - Perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
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Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, novembro 14, 2010
sexta-feira, novembro 12, 2010
.
Como compreender psicologicamente, socialmente, a capacidade dos seres humanos de interpretarem e serem sensíveis, por exemplo, a Bach ou Schubert, à noite, e de torturarem outros seres humanos na manhã seguinte?
(George Steiner, Errata. An examined life)
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George Steiner
domingo, outubro 24, 2010
Tenho um monóculo e sou inofensiva.
É isso.
Agora, vou ver o Pickpocket porque é Domingo.
É isso.
Agora, vou ver o Pickpocket porque é Domingo.
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Constatações,
É Domingo
domingo, outubro 17, 2010
Dizia o outro que a criança que se comporta como um adulto é um monstro.
Portanto. Fui uma criança adulta. Fui um monstro.
Houve um cancro.Não houve lágrimas, houve medo.
Já sou adulta, ainda sou um monstro.
Os 11 anos que passaram foram para me desintegrar.
A vida é um vestido que não me serve.
Os números estão errados.
A mãe disse que ainda sou uma criança.
Sorri.
Não é verdade, mas também não é mentira.
Acho que é por isso que sou uma máquina.
sábado, outubro 16, 2010
Dia de todos os demónios
Sabes que a Marta perdeu a lucidez. Tiveram de passar dois dias, dois para te ridicularizar, culpar, esquecer, riscar. E agora acordou. Acordaste e não és ninguém. Porque te neguei infinitamente. Tenho medo, já não existes. Tenho medo da fragilidade. E das pessoas. Preciso-te. Temo tanto a solidão, meu amor.
Achas que vale a pena esperar? Ou a saída é o telhado?
Estou tão cansada. E tenho a solidão estendida no chão. Hoje, agora, duas e cinco, sinto. E tudo o que sinto é dor.
Quando é que chega, afinal, o dia indolor?
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A dor estúpida de sempre,
Tu
sexta-feira, outubro 15, 2010
quarta-feira, outubro 13, 2010
Agora, a minha solidão vê-se melhor
I
Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.
Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre à frente
Do que o teu próprio passo
(Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Obra Poética III)
Piquenique mental matinal. Terminada a poesia e a prosa, vou ver um filme de Hiroshi Teshigahara. Distracções para a solidão não se ver melhor e que vão bem com uma gripe em pleno Outono.
E agora, um chá com mel.
Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.
Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre à frente
Do que o teu próprio passo
(Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Obra Poética III)
Piquenique mental matinal. Terminada a poesia e a prosa, vou ver um filme de Hiroshi Teshigahara. Distracções para a solidão não se ver melhor e que vão bem com uma gripe em pleno Outono.
E agora, um chá com mel.
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Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, outubro 10, 2010
Crónica/insónia
Sem pretexto e porque o blogue carece de imagens e porque me apetece.
E porque gosto de gatos, apesar de o frontman (frontcat?) ser amarelo e não haver nenhum branco.
Na próxima crónica/insónia falo sobre o debate que quero organizar sobre aquilo que me incomoda a sério.
Isto foi uma coisa parva. Ponto final. Boa noite.
Sou uma anémona-menina
A presença das pessoas incomoda-me. Seja ela física ou não. Na maioria das vezes ou me aborrecem de morte ou me provocam um nervosismo, uma ansiedade de tal modo desconcertante que mal sei agir. É uma coisa ridícula, bem sei. Mas é também uma coisa que me transcende.
E isto tudo para dizer, afinal, o quê?
Que após 21 anos de um longo e exaustivo raciocínio (sim, sou atormentada desde que nasci! (sorriso malicioso)), concluí que não gosto de pessoas, tirando umas quantas que nem contam por já estarem mortas.
A outra conclusão, ou direi antes, a verdadeira conclusão da única razão que fez escrever sobre isto, é que me incomoda receber visitas no blogue. Sim, até isso. Já sinto o nervosismo estúpido e muito característico da minha pessoa. Não tivesse tido eu a iluminação de criar mais um blogue, porque isto de escrever a preto e branco tem dias em que incomoda, portanto, resolvi escrever sobre azul e ser uma anémona-menina . O resultado foi uma referência à tão pequena e recém nascida anémona-menina por parte de um blogue que acompanho. O que levou a uma também pequena afluência de pessoas. Dito isto, e numa situação paradoxal, estou verdadeiramente aborrecida por saber que alguém me pode ler. É questionável se a finalidade de escrever é ser-se lido. Depende do indivíduo e da sua necessidade. Quanto a mim, julgo que não se adequa. Só quero ler, não quero ser lida.
Isto vem confirmar que abomino pessoas e que já não posso ser uma anémona-menina.
E olha que eu ainda era um feto, mergulhada em liquido amniótico de pó de ouro e magia. Diabos para as pessoas e os seus olhos que me obrigam a ser séria!
segunda-feira, outubro 04, 2010
Porque tu não tens nome existes
Reconheço este quarto impermeável
reconheço-te estás adormecido
o peito muito aberto as mãos luminosas
o grande talento dos teus dentes miúdos
Há o perigo de um grito lindíssimo
quando andas assim comigo no invisível
Quando a manhã vier sairás comigo
para o espaço que nos falta para o amor
que nos falta
A aurora
está fatigada
a aurora
como um rio nosso
em torno dos elevadores
Tinha eu a idade
de um marselhês
silencioso
e tímido
Tu davas-me a lousa dos magos
o teu riso as letras
mais obscuras do alfabeto
Foi há muito tempo
ou agora
na caverna dos leões expressivos
A caverna que dá para a caverna
a caverna os lagos diligentes
Belo tu és belo
como um grande espaço cirúrgico
Porque tu não tens nome existes
A minha boca
sabe à tua boca
A minha boca
perdeu a memória
não pode falar as palavras
entram no seu túnel
e não é preciso segui-las
Disse que és alto
alto
branco e despovoado
(Mário Cesariny de Vasconcelos, Uma Grande Razão)
reconheço-te estás adormecido
o peito muito aberto as mãos luminosas
o grande talento dos teus dentes miúdos
Há o perigo de um grito lindíssimo
quando andas assim comigo no invisível
Quando a manhã vier sairás comigo
para o espaço que nos falta para o amor
que nos falta
A aurora
está fatigada
a aurora
como um rio nosso
em torno dos elevadores
Tinha eu a idade
de um marselhês
silencioso
e tímido
Tu davas-me a lousa dos magos
o teu riso as letras
mais obscuras do alfabeto
Foi há muito tempo
ou agora
na caverna dos leões expressivos
A caverna que dá para a caverna
a caverna os lagos diligentes
Belo tu és belo
como um grande espaço cirúrgico
Porque tu não tens nome existes
A minha boca
sabe à tua boca
A minha boca
perdeu a memória
não pode falar as palavras
entram no seu túnel
e não é preciso segui-las
Disse que és alto
alto
branco e despovoado
(Mário Cesariny de Vasconcelos, Uma Grande Razão)
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Mário Cesariny de Vasconcelos
segunda-feira, setembro 27, 2010
71
Dificilmente me convencerão de que a história do filho pródigo não é a lenda daquele que não queria ser amado. Quando era menino, todos o amavam lá em casa. Cresceu, e, como não tinha outra alternativa, habituou-se à brandura daqueles corações, enquanto foi menino.
Mas, quando já era rapaz, quis despojar-se dos seus hábitos. Não seria capaz de o dizer, mas quando andava ao acaso, lá fora, todo o dia, e já nem sequer queria que os cães o acompanhassem, era porque eles também o amavam. Porque nos seus olhares havia observação, envolvimento, expectativa e receio; porque, diante deles, também não se podia fazer nada que não os alegrasse ou ofendesse. Mas o que ele então pretendia era indiferença íntima do seu coração que muitas vezes o acometia de manhã cedo, nos campos, e com uma tal pureza que ele começava a correr para não ter tempo nem fôlego para ser mais do que um leve momento em que a manhã se torna consciente de si.
(...)
Ficará ele a fim de repetir a mentira da vida indefinida que lhe atribuem e de parecer-se com todos eles em toda a sua extensão do seu rosto? Dividir-se-á ele entre a sensível veracidade da sua vontade e o grosseiro engano com que se tornam insuportáveis a seus olhos? Desistirá ele de vir a ser aquilo que poderia prejudicar aqueles membros da sua família que apenas têm um coração fraco?
Não, ele partirá. Por exemplo, quando todos estiverem ocupados a preparar a mesa de aniversário com todos aqueles objectos mal adivinhados que deveriam, uma vez mais, tudo apaziguar. Partirá para sempre. Só muito mais tarde terá a nítida percepção de como nessa altura fez o propósito de nunca amar, para não colocar ninguém na terrível situação de ser amado. Anos depois recordar-se-á e, tal como outros propósitos, também este foi impossível. Pois ele amou e voltou a amar na sua solidão, esbanjando de cada vez toda a sua natureza e com um temor indizível pela liberdade do outro. Aprendeu lentamente a atravessar o objecto amado com os raios do seu sentimento, em vez de neles o consumir. E ficava mimado pelo encanto de conhecer através da figura cada vez mais transparente da amada, a imensidão que ela abria ao seu interminável desejo de posse.
(...)
Quem poderá descrever o que então lhe aconteceu? Que poeta será capaz de o convencer a conciliar a extensão dos seus dias passados com a brevidade da vida? Que arte é suficientemente ampla para evocar simultaneamente a sua figura esguia, coberta por um manto, e o espaço desmesurado das suas noites imensas?
(...)
Os que contaram a história tentam, neste ponto, recordar-nos a casa, tal como ela era. Pois só aí passou pouco tempo, um pouco de tempo contado, todos em casa podem dizer quanto. Os cães envelheceram, mas ainda estão vivos. Conta-se que um deles uivou. Todas as tarefas diárias sofrem uma interrupção. Há rostos que assomam às janelas, rostos envelhecidos e adultos de uma semelhança comovente. E num desses rostos, num muito velho, reconhecimento desfere repentinamente a palidez do seu golpe. O reconhecimento? Verdadeiramente apenas o reconhecimento? - O perdão. O perdão de quê? - O amor. Meu Deus: o amor.
Ele, o que foi reconhecido, ocupado como estava, tinha deixado de pensar nisso: que o amor ainda pudesse existir. É compreensível que de tudo o que então aconteceu apenas fosse transmitido o seguinte: o seu gesto, o gesto inaudito que nunca antes se vira; o gesto de súplica com que se prostrou aos seus pés, implorando-lhes que não o amassem. Assustados e cambaleantes ergueram-nos à altura deles. Interpretaram à sua maneira a impetuosidade dele, perdoando-lhe. Deve ter sido para ele um alívio indescritível que todos o tenham entendido mal, apesar da evidência desesperada da sua atitude. Provavelmente foi capaz de ficar. Pois via cada vez melhor, de dia para dia, que o amor deles, de que tanto se envaideciam e que entre si secretamente encorajavam, não lhe dizia respeito. Quase era obrigado a sorrir quando eles se esforçavam e tornava evidente que eram poucas as possibilidades de se lhe referirem.
O que sabiam eles sobre quem ele era? Ele era agora extremamente difícil de amar e sentia que só Alguém o poderia fazer. Mas esse ainda não queria.
Fim das Anotações
(Rainer Maria Rilke, As Anotações de Malte Laurids Brigge, tradução de Maria Teresa Dias Furtado)
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Rainer Maria Rilke
Só solidão desfeita. é isso que trazes, é isso que deixas.
e assim me entristeces. e assim não me perdoo no tempo. e assim se endurece, embrutece, e assim, nos tornamos uma pedra.
Eu quero uma pérola no coração, aqui, agora e para sempre. E não quero, nem preciso que a felicidade me visite. Não admito, sequer, que ela me assalte de novo e que por razão alguma torne a acreditar noutro ser que não eu.
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eu sou uma máquina,
O fim dele de ti e uma pedra
domingo, setembro 26, 2010
não haver palavras és tu a desaparecer.
abandono
a quem senão a ti direi
como estou triste? mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao ven-
to que não bate mais à tua porta? eu sei
que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. em cada um está Cristo
sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado
ser por este absurdo. morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.
não haver palavras és tu a desaparecer.
Bernardo Pinto de Almeida
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Aquilo que o poema lembra,
Bernardo Pinto de Almeida,
É Domingo
E aquilo que mais me incomoda é, afinal, que tu te intrometas nos meus pensamentos.
Porque eu tinha razão sobre a minha não espontaneidade e tu vieste confirmar que é, de facto, uma coisa que devo manter.
Porque me fizeste perceber que, independentemente do facto de seres muito, mas mesmo muito inteligente, isso não faz com que deixes de agir como a maioria das pessoas.
O que me leva a crer que és um perfeito idiota. E eu, dito isto, uma pessoa patética que quis acreditar no contrário, pondo de parte todas as minhas (des)crenças pessoais criadas ao longo de anos, isto só porque ainda insisto em manter a magia. Aquela que tu insistentemente matas como se fosse tua, como se fosse nada.
Creio que te (des)gosto e por algum motivo é Domingo de novo e isso é mesmo coisa que hoje não gosto.
Creio que te (des)gosto e por algum motivo é Domingo de novo e isso é mesmo coisa que hoje não gosto.
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Constatações,
É Domingo
segunda-feira, setembro 20, 2010
Viva! (acho que não!)
Está tudo bem contigo, Marta? (Não, mas isso ainda te interessa?)
Não tenho aparecido, não te escrevi, e as poucas vezes que pensei em ti constatei que já não te quero lembrar, sequer.
Esta semana seria óptima para te esquecer de vez, o que me dizes a não tomarmos um café? Parece-te bem?
Não quero insistir muito no assunto, mas não quero que te lembres de mim só porque eu já me esqueci de ti.
*
Marta
(Tenho um monstro dentro do meu coração, a arranhar e a sangrar e a deixar-me morta. tenho um monstro fora de mim, a fazer-me chorar porque insiste em lembrar-te) (acho que a tristeza chegou e não sei o que lhe fazer, nem o que fazer de ti)
Não te lembres, deixa-me esquecer, deixa-me doer nesta coisa de carne e osso e palavras que sou. Eu sabia que não me ias gostar, eu sabia e deixei-te decepcionar-me. Porquê que fazes isto à Marta? Porquê?
Está tudo bem contigo, Marta? (Não, mas isso ainda te interessa?)
Não tenho aparecido, não te escrevi, e as poucas vezes que pensei em ti constatei que já não te quero lembrar, sequer.
Esta semana seria óptima para te esquecer de vez, o que me dizes a não tomarmos um café? Parece-te bem?
Não quero insistir muito no assunto, mas não quero que te lembres de mim só porque eu já me esqueci de ti.
*
Marta
(Tenho um monstro dentro do meu coração, a arranhar e a sangrar e a deixar-me morta. tenho um monstro fora de mim, a fazer-me chorar porque insiste em lembrar-te) (acho que a tristeza chegou e não sei o que lhe fazer, nem o que fazer de ti)
Não te lembres, deixa-me esquecer, deixa-me doer nesta coisa de carne e osso e palavras que sou. Eu sabia que não me ias gostar, eu sabia e deixei-te decepcionar-me. Porquê que fazes isto à Marta? Porquê?
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A dor estúpida de sempre,
Tu
domingo, setembro 19, 2010
Aquilo ali em cima é mentira...o mundo não é teu.
Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas
(Adília Lopes, Quem Quer Casar Com a Poetisa?)
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas
(Adília Lopes, Quem Quer Casar Com a Poetisa?)
sábado, setembro 18, 2010
Tu
(pintado com o pé)
Quando fomos apresentados
em pequenos
beijaste a mão direita
dela
a minha
viraste-a do avesso
para beijares a tua
o que fizeste
cortei a minha mão
como manda a Bíblia
e deitei-a fora
sou feliz porque sou inteligente
(Adília Lopes, Caras Baratas)
Toma lá também tu um suspiro. Que um dia, quando me apetecer, eu digo-te o que diabos estava a pensar...
(pintado com o pé)
Quando fomos apresentados
em pequenos
beijaste a mão direita
dela
a minha
viraste-a do avesso
para beijares a tua
o que fizeste
cortei a minha mão
como manda a Bíblia
e deitei-a fora
sou feliz porque sou inteligente
(Adília Lopes, Caras Baratas)
Toma lá também tu um suspiro. Que um dia, quando me apetecer, eu digo-te o que diabos estava a pensar...
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Adília Lopes,
Suspiros
sexta-feira, setembro 17, 2010
Eurydice
Este é o traço que traço em redor do teu corpo amado e perdido
Para que cercada sejas minhas
Este é o canto do amor em que te falo
Para que escutando sejas minha
Este é o poema — engano do teu rosto
No qual eu busco a abolição da morte
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
( Une femme mariée, Jean Luc-Godard, 1964)
À revelação súbita, ao mistério das suas maravilhosas palavras.
E ao teu suspiro, que me doeu um instante, e agora lembro num labirinto de palavras.
Seria cansaço ou lamento? Como uma primeira impressão que te escapa ao rosto tapado e que não mente.
São 17 e 56, disse-o baixinho. Olhei-te e repeti em voz alta, são 17 e 56 e só depois percebi que isso não se diz.
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Suspiros
quarta-feira, setembro 15, 2010
Espera!
Deixa-me pensar um bocadinho....é que preciso mesmo de reflectir.
Não sei o que dizer. Aliás., é suposto saber o que dizer neste exacto momento?
Espera! Deixa-me pensar de novo....
Já passaram sete horas e ainda não sei o que pensar. Ridículo, bem sei.
Não percebo.
A ideia, breve, mas ideia, é que matei tudo com a minha lucidez, depois com a minha estupidez e, finalmente, comigo própria.
Não te memorizei o rosto, com medo de te olhar fixamente.
Não fiquei nervosa, mas temi todas as palavras que por breves instantes ousei dizer.
Eu disse, não tenho jeito para as pessoas, não tenho.
E não sei porquê, mas agora é que começo a duvidar de mim. Porque a Marta normalmente sentiria alguma coisa. Boa ou má, mas sentiria.
Amanhã penso nisso.
As coisas hão-de ser violentas, brilhantes e no fundo vão-me tocar, a cabeça vai estremecer e eu vou culpar-me. Eu sei. Sim, eu também tenho algum auto-conhecimento.
E depois não vais dizer nada. Porque eu não sou marcante, porque não há persistência na memória quando o objecto sou eu, eu física digo. Raios!
Olha, já sei tudo sobre a Adília Lopes, não um bocadinho, nem meia dúzia de poemas...
Agora posso ir ler Herberto Helder e ficar descansada. E depois posso ir dormir. Mas sei que me vou lembrar de ti. Sim, vou.
E depois, talvez quando for Domingo te lembres de mim. Ou então talvez me esqueças.
Até lá, só passaram oito horas.
E ainda tenho um "espera! Deixa-me pensar"...vai-se prolongar, vai, sim vai.
Depois digo-te o que pensei se pensar.
Deixa-me pensar um bocadinho....é que preciso mesmo de reflectir.
Não sei o que dizer. Aliás., é suposto saber o que dizer neste exacto momento?
Espera! Deixa-me pensar de novo....
Já passaram sete horas e ainda não sei o que pensar. Ridículo, bem sei.
Não percebo.
A ideia, breve, mas ideia, é que matei tudo com a minha lucidez, depois com a minha estupidez e, finalmente, comigo própria.
Não te memorizei o rosto, com medo de te olhar fixamente.
Não fiquei nervosa, mas temi todas as palavras que por breves instantes ousei dizer.
Eu disse, não tenho jeito para as pessoas, não tenho.
E não sei porquê, mas agora é que começo a duvidar de mim. Porque a Marta normalmente sentiria alguma coisa. Boa ou má, mas sentiria.
Amanhã penso nisso.
As coisas hão-de ser violentas, brilhantes e no fundo vão-me tocar, a cabeça vai estremecer e eu vou culpar-me. Eu sei. Sim, eu também tenho algum auto-conhecimento.
E depois não vais dizer nada. Porque eu não sou marcante, porque não há persistência na memória quando o objecto sou eu, eu física digo. Raios!
Olha, já sei tudo sobre a Adília Lopes, não um bocadinho, nem meia dúzia de poemas...
Agora posso ir ler Herberto Helder e ficar descansada. E depois posso ir dormir. Mas sei que me vou lembrar de ti. Sim, vou.
E depois, talvez quando for Domingo te lembres de mim. Ou então talvez me esqueças.
Até lá, só passaram oito horas.
E ainda tenho um "espera! Deixa-me pensar"...vai-se prolongar, vai, sim vai.
Depois digo-te o que pensei se pensar.
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Marta ás vezes
domingo, setembro 12, 2010
Canção da torre mais alta
Juventude ociosa
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.
Disse a mim mesmo: abandona,
E que ninguém te veja:
Nem mesmo a promessa
De alegrias mais altas.
Que nada te prenda, ou pare
Sublime retirada.
Dei tantas mostras de paciência
Que tudo eu para sempre olvide;
Temores e dores
Volatizaram-se nos céus.
Mesmo se uma sede doentia
Me obscurece as veias.
Assim o Prado
Deixado ao abandono,
Maturado e enflorido,
De cores-odores e ervas daninhas,
Entregue ao zumbido ensurdecedor
De sem moscas nojentas.
Ah! Mil vezes viúvo
Da trist'alma nua
Sem outra imagem
Que a da Senhora Mãe!
Será que se ora
À Virgem Maria?
Juventude ociosa
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.
( Arthur Rimbaud, O Rapaz Raro: iluminações e poemas, tradução de Maria Gabriela Llansol)
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.
Disse a mim mesmo: abandona,
E que ninguém te veja:
Nem mesmo a promessa
De alegrias mais altas.
Que nada te prenda, ou pare
Sublime retirada.
Dei tantas mostras de paciência
Que tudo eu para sempre olvide;
Temores e dores
Volatizaram-se nos céus.
Mesmo se uma sede doentia
Me obscurece as veias.
Assim o Prado
Deixado ao abandono,
Maturado e enflorido,
De cores-odores e ervas daninhas,
Entregue ao zumbido ensurdecedor
De sem moscas nojentas.
Ah! Mil vezes viúvo
Da trist'alma nua
Sem outra imagem
Que a da Senhora Mãe!
Será que se ora
À Virgem Maria?
Juventude ociosa
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.
( Arthur Rimbaud, O Rapaz Raro: iluminações e poemas, tradução de Maria Gabriela Llansol)
sábado, setembro 11, 2010
quarta-feira, setembro 08, 2010
e eu que sou louco, um pouco, não ao ponto de ser belo ou maravilhoso
ou assintáctico ou mágico, mas:
um pouco louco,
porque faço com mãos estilísticas um invento fora e dentro dos estados
naturais:e a faúlha e o ar à volta dela, jóia, digo, quero-a de repente,
e as matérias maduras e dramáticas: ouro, petróleo:
e com que potência madibular me debruço sobre o prato,
e ávido e inculto,
com mão aprendiz colho o áspero alimento do mundo,
e rosto, membros, torso, radiações dos dedos,
trabalho no meu nome,
obra pequena de hemoglobina, enxôfre, células, osso, lume,
para estar mais perto de quem acaso me chame ou toque
---- eu,
sem beleza nem maravilha,
só dor,
desamor ou descuidada memória ----
mas conhece-me por isso que não é bem música,
talvez sim um som
dificílimo, seco, acerbo, rouco, côncavo, precaríssimo
de apenas consoantes,
pregos
(Herberto Helder, A faca não corta o fogo)
ou assintáctico ou mágico, mas:
um pouco louco,
porque faço com mãos estilísticas um invento fora e dentro dos estados
naturais:e a faúlha e o ar à volta dela, jóia, digo, quero-a de repente,
e as matérias maduras e dramáticas: ouro, petróleo:
e com que potência madibular me debruço sobre o prato,
e ávido e inculto,
com mão aprendiz colho o áspero alimento do mundo,
e rosto, membros, torso, radiações dos dedos,
trabalho no meu nome,
obra pequena de hemoglobina, enxôfre, células, osso, lume,
para estar mais perto de quem acaso me chame ou toque
---- eu,
sem beleza nem maravilha,
só dor,
desamor ou descuidada memória ----
mas conhece-me por isso que não é bem música,
talvez sim um som
dificílimo, seco, acerbo, rouco, côncavo, precaríssimo
de apenas consoantes,
pregos
(Herberto Helder, A faca não corta o fogo)
Hoje, tal como ontem, foi um dia outonal. Ontem esperei-te sabendo que não vinhas, esperei junto à parede, vendo a cortina de chuva e sentindo o cheiro a terra no ar. Sabia que não virias. Sabia e fiquei por lá remoendo o futuro como se de passado ou presente se tratasse. Temi a tua partida, mesmo antes de chegares. Serei eu louca. Não pouco como no poema, é certo. O medo é maior. Tu. Rapaz raro e estranho. Porque me fazes objectivar a luz e subitamente perder o espaço?
O que eu tenho é sobretudo medo. Medo de viver. e vou desvivendo de desamor. e aguardando tristemente por ti, como se todos os dias fossem Outono.
Assim o será quando partires. e se agora cá não estiveres, não mais terei pedras cair sobre meu coração. mas apenas lágrimas, lágrimas outonais que caiem como hoje por razão nenhuma.
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Tu
domingo, setembro 05, 2010
“Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”.
(Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, tradução de Paulo Quintela)
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Rainer Maria Rilke
Noite Antecipada
« (…)
Seguro na tua mão
e limpo-te a boca ao de leve.
sinto a tua mão gelada a apertar a minha.
Há vários dias que nem força tens para falar.
Agora o movimento da tua boca
indica que balbucias alguma coisa,
mas é impossível entender ao certo
o que me queres dizer.
Ergues, moribundo, as sobrancelhas
e olhas de novo na minha direcção.
Fitas-me com o mesmo sorriso na boca,
com a mesma expressão de horror nos olhos.
Abres mais o sorriso,
intensificas a expressão horrorizada
de quem sente de repente
a morte muito mais perto.
Balbucias de novo qualquer coisa,
mas é impossível entender ao certo
o que me queres dizer.»
(Frederico Lourenço, Santo Asinha e Outros Poemas)
Maldita idade que não é eterna, maldita morte que nos rouba a beleza da vida. Ninguém tão simples e sábio devia morrer. Ninguém.
O poema lembra-me o avô moribundo, lembra-me a chegada da sua morte e o arrancar-lhe da magia. Lembra-me isso tudo e dá-me a certeza de que nunca hei-de compreender a morte da vida.
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Aquilo que o poema lembra,
Frederico Lourenço
terça-feira, agosto 31, 2010
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