(Moreau, Orpheus)
Ver é sentir.
Ver, ver pensando, ver ignorando. Sobre os olhos, os meus, que vêem através da negrura eterna, o sonho sonhado, o sonho vivido e o sonho perdido. Os mesmos que sem mudar, me esculpiram por dentro. Humedecidos por fora. Lembro-os com o brilho eterno, de quando era jovem, ainda mais jovem. Por eles tudo via, tudo sentia. Tudo estremecia. E sempre me falhavam quando confrontados com outros, eram subitamente vermelhos, estavam subitamente cobertos por lágrimas. Eram, desta forma, como o coração, incapaz de se ver noutro. Os olhos, os meus, há quem os diga triste, os olhos, os meus, digo-os felizes, pois sem eles jamais poderia ter-te contemplado. Com eles e sobre eles, a realidade vivida e o sonho sonhado, sem eles, ou de olhos fechados, a negrura eterna, o preto e branco, mais preto que branco. Eles, meus mas não meus. Meus, cada vez mais meus. Sem eles, Orpheu não seria o mesmo. Com eles, Orpheu se demora fazendo-me sonhar acordada. Tudo se prolonga para lá deles, e eles, por fora, que tristes mentem.
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