sexta-feira, julho 22, 2011

Desconstrução de um poema de Eugénio

Falei-te de tudo quanto amei
para que tu amasses todas as coisas comigo.
Mas os dias correm,
sem palavras.
Sonhei-te para permanecer no teu abraço prolongado.
Mas o dia amanhece,
espesso,
cansado e vazio.
É preciso acordar.
Mas nesta roda
todas as palavras são cegas e mudas
e tu um corpo distante e adormecido.

sexta-feira, julho 15, 2011

Sur la Morte


Transladei-me. Sou só e apenas uma anémona.

terça-feira, junho 07, 2011

Dia de todos os demónios II


Sempre soube muito de muita coisa, sem saber nada de mim. Nunca me quis adulta, nunca me quis triste, nunca me quis cansada. E ser adulto é ser isso tudo. Anda. Anda comigo, vamos regressar doze anos atrás no tempo. Vamos pegar na mão do pai enfermo, perto do leito da morte. Vamos, pega-lhe a mão, mente e sê adulto. Sê criança e forte. Sê adulto e criança. Vamos. Quero-te forte. Forte só porque sim, porque se não o fores, também ele não o é. Vamos. Arrasta-te no tempo, arrasta-te cinco anos de fingimento. Nada te dói. És tão sublime, és tão indolor. Estás tão afastado de tudo e de todos. Silêncio. Há um silêncio gigante. Cinco anos, passaram cinco anos. Hemorragia, ele teve uma forte hemorragia. Não morreu, mas também não está vivo. A casa enche-se de sangue. Toda a gente saiu à pressa. Ficaste sozinha. Tens quase 14 anos e és um máquina. Indolor, como sempre. Humana, como nunca. Limpas a casa, limpas o sangue. Agora avança, avança até ao presente. Até essa mascara que não cai. Porque os rostos que tinhas, estão gastos, sujos. És adulta, adulta e não sabes fingir. És essa coisa, essa coisa cansada. E queres que te percebam, porque a melancolia vem sempre acompanhada de solidão. Doze anos. Como é que passaram doze anos e cresceste? Como é que que não tiveste tempo de crescer, se foste sempre adulta. Como é que foste sempre isso. Essa coisa. Essa máquina? E sabes, sabes muito de muita coisa. E não sabes nada de ti. És estranha. É isso. Queria definir-te, mas não posso, não consigo. Estás  presa ao maldito passado, aos malditos fantasmas. E questionam-te e tiram-te o chão. E é injusto. É injusto porque não sabes. E as pessoas não aceitam que não saibas. E não, não sabes. És mera (des)ilusão.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

O inferno

Desconfia de si e dos outros e repete no mesmo desespero: - O inferno! o inferno!

Mas o inferno existe?

domingo, janeiro 16, 2011

Le voyage dans la lune




(Georges Méliès, Le Voyage Dans La Lune, 1902, aqui )

segunda-feira, janeiro 10, 2011

Não mexer




Não mexam nas memórias, por favor. Eu sou a melhor a fazer de conta, façam de conta comigo e, assim, as coisas permanecem mortas. A dor não se ressuscita, nunca.

sábado, janeiro 01, 2011

Mergulho no Inferno #2

filamentos de gelatinoso neon invadem a catedral
em celulóide do filme nocturno: arquitectura de asas
abóbadas de vento pássaros lixo
som
pálpebras de lodo sobre a boca do homem que rasteja
de engate em engate pelas avenidas da memória
e quando encontra a porta de um bar mergulha no inferno
bebe furiosamente
o peito encostado ao zinco sujo duma geração de subúrbio

presentes aqui os jovens com a canga nos ombros

e o mundo poderia desabar dentro de 5 minutos
o copo estilhaça
os vidros esfregados nos ombros no peito
onde uma veia rebenta para mostrar o radioso canto

depois dança contorce-se embriagado
cobre o rosto suado com a ponta dos dedos espalha
sangue e cuspo construindo a derradeira máscara
cai para dentro do seu próprio labirinto
como se a verticalidade do corpo fosse um veneno


domina-o um estertor
uma corda invisível ata-lhe a voz
não se moverá mais
apesar de nunca ter avistado os órgãos profundos do corpo
sabe que também eles se calaram para sempre


a noite é imensa e já não tem ruídos
a morte vem dos pés sobe à cabeça alastra ferozmente
mas a sua inquietante brancura
só é perceptível na súbita erecção do enforcado

(Al Berto, O medo)

Mergulho no Inferno



L A B I R I N T O