quarta-feira, dezembro 29, 2010

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um Deus.

O medo, o medo com a cabeça de hidra, que é generalizado em todos nós, é uma ressaca das formas inferiores de vida. Estamos divididos entre dois mundos, um, aquele de que emergimos, e o outro, aquele em direcção ao qual caminhamos. Este é o sentido mais profundo da palavra "humano": somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida está a ser levado a efeito. Temos uma tremenda responsabilidade, e é a gravidade disso que desperta o nosso medo. Sabemos que se não formos em frente, se não realizarmos o nosso ser potencial, recairemos, nos apagaremos, e arrastaremos o mundo connosco na queda. Levamos o Céu e o Inferno dentro de nós e toda a Criação está ao nosso alcance. Para alguns são perspectivas aterrorizantes. Mas desejaríamos que fosse diferente? Seriamos capazes de inventar um drama melhor? (...) Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um Deus.

(Henry Miller)

quinta-feira, dezembro 23, 2010

To forget everything

(Jean-Luc Godard, Une Femme Mariée, 1964) 

quarta-feira, dezembro 22, 2010

And the days are not full enough


And the days are not full enough
And the nights are not full enough
And life slips by like a field mouse
        Not shaking the grass.


(Ezra Pound)



Não lia Pound há muito tempo. Pego neste poema que me traz o desassossego todo numa espécie de dilema nocturno. Penso no absurdo de estar aqui neste exacto momento. A insónia, o desassossego, a insatisfação,   tudo. Era suposto parar, era suposto haver um limite. Há silêncio, há solidão, há isso tudo e no entanto não há nada. Acho que é o Caos e a loucura. E tu, sempre tu. Cercando-me as mãos.

Isto é tudo um absurdo. É a náusea há superfície da solidão. A fuga de nada e o medo. E o sono.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

a vida toda destinada à demolição


não sei para onde foste morrer
eu continuo aqui... escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar... ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição


(Al Berto, O Esquecimento em Yucatán)


uma casa.

Ophelia

(John William Waterhouse, Ophelia)

sábado, dezembro 18, 2010

Ela canta: vivo na mentira, vivo uma vida estranha

O Amor Louco

Os homens desesperam estupidamente do amor - eu próprio desesperei -, passam a vida escravizados pela ideia de que este se encontra sempre para trás, e nunca à sua frente: os séculos passados, a mentira do esquecimento aos 20 anos. Suportam, e, sobretudo, esforçam-se por admitir que o amor, com todo o seu cortejo de luzes, não é, exactamente, para eles mesmos, esse olhar sobre o mundo feito do olhar de todos os adivinhos. Lançam mão de claudicantes e falaciosas recordações às quais chegam a atribuir, na origem, uma queda imemorial, e tudo isso para se não sentirem demasiado culpados. No entanto, naquela promessa que para cada um de nós toda a hora futura encerra, esconde-se o segredo da vida, segredo que um dia poderá, ocasionalmente, vir a revelar-se em qualquer outro ser.


(André Breton, O Amor Louco


A biblioteca da universidade é uma merda. Ponto. 


Obey

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Riscava a palavra dor no quadro negro




X



Desprezasse o conhecimento
e o terrível sentir de uma palavra moral.
A guerra consigo mesmo,
esse combate mortal, jogava-se, não nas trincheiras
(as trincheiras seriam apenas um expediente
para o vazio que em si parecia contemplá-lo)
mas no seu oco, nessa incerteza que o percorria,
que merecia ser ferida, golpeada,
numa espécie de ódio de si mesmo
que lhe diziam envenenar a alma vienense,
cujos golpes seriam um desvio
para outra coisa, um degrau abandonado,
uma clareza consentida e de partilha improvável.
Riscava a palavra dor no quadro negro
que intensamente lhe tomava o olhar
quando escutava um dos dilectos,
ele que sempre odiara discípulos, e aqui
estava ele, a avaliar a dor do mundo
através de um relance sobre a inviolável
gramática da perplexidade.




(Luís Quintais, Riscava a palavra dor no quadro negro)
There is a willow grows aslant a brook,
That shows his hoar leaves in the glassy stream;
There with fantastic garlands did she come
Of crow-flowers, nettles, daisies, and long purples
That liberal shepherds give a grosser name,
But our cold maids do dead men’s fingers call them:
There, on the pendent boughs her coronet weeds
Clambering to hang, an envious sliver broke;
When down her weedy trophies and herself
Fell in the weeping brook. Her clothes spread wide;
And, mermaid-like, awhile they bore her up:
Which time she chanted snatches of old tunes;
As one incapable of her own distress,
Or like a creature native and indued
Unto that element: but long it could not be
Till that her garments, heavy with their drink,
Pull’d the poor wretch from her melodious lay
To muddy death. 
Queen Gertrude.




(William Shakespeare, Hamlet. Act IV, Scene VII)

Tomato Is Another Day



sábado, novembro 27, 2010

Ophelia

(John Everett Millais, Ophelia, 1851-52)

sábado, novembro 20, 2010

Flores na testa

estar sempre com frio
como o caminhar à noite só sem luz
como a árvore que olha com raiva a tempestade
talvez mesmo como a cama
que conserva apenas as formas já desfeitas
dos corpos que nelas se deitam


depois com o vento
é a saudade das madrugadas doutros tempos
quando o simples descer uma escada
era a mais extraordinária das aventuras
quando a certeza de encontrar uns braços abertos
estava evidente no fundo da escuridão

então tudo era simples muito belo
qualquer palavra tua
era a mais maravilhosa das afirmações
qualquer gesto que fizesses
era o mais belo movimento de amor
caminhar ao acaso
era a grande viagem sempre renovada todos os dias
e à noite
não havia frio como agora
mesmo que o mar nos cobrisse de algas
mesmo que a areia
trouxesse consigo o gelo das mais remotas estrelas

agora amor escuto o teu olhar
através da distância cada vez maior e mais alucinante
que nos separa
escuto-o através da ponte
que formaram os caminhos por nós percorridos um dia
vejo-te como partiste
muito pura flores na testa mãos abertas
igual às madrugadas doutros tempos
igual à grande aventura
de caminhar ao acaso

(Mário-Henrique Leiria)

quarta-feira, novembro 17, 2010

A outra casa tinha esta saudade

Mas o que é a saudade? - Perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.



(Sophia de Mello Breyner Andresen)

domingo, novembro 14, 2010

|||||

Love is when you meet someone who tells you something new about yourself


(André Breton)

sexta-feira, novembro 12, 2010

.

Como compreender psicologicamente, socialmente, a capacidade dos seres humanos de interpretarem e serem sensíveis, por exemplo, a Bach ou Schubert, à noite, e de torturarem outros seres humanos na manhã seguinte?

(George Steiner, Errata. An examined life)

domingo, outubro 24, 2010

Tenho um monóculo e sou inofensiva.




É isso.



Agora, vou ver o Pickpocket porque é Domingo.

domingo, outubro 17, 2010

Dizia o outro que a criança que se comporta como um adulto é um monstro.
Portanto. Fui uma criança adulta. Fui um monstro. 
Houve um cancro.Não houve lágrimas, houve medo.
                                                                                          Já sou adulta, ainda sou um monstro.
Os 11 anos que passaram foram para me desintegrar.
                                                                                          A vida é um vestido que não me serve.
Os números estão errados.
                                                                                          A mãe disse que ainda sou uma criança.
Sorri.
                                                                                          Não é verdade, mas também não é mentira.



Acho que é por isso que sou uma máquina.






sábado, outubro 16, 2010

Dia de todos os demónios

Sabes que a Marta perdeu a lucidez. Tiveram de passar dois dias, dois para te ridicularizar, culpar, esquecer, riscar. E agora acordou. Acordaste e não és ninguém. Porque te neguei infinitamente. Tenho medo, já não existes.  Tenho medo da fragilidade. E das pessoas. Preciso-te. Temo tanto a solidão, meu amor. 



Achas que vale a pena esperar? Ou a saída é o telhado? 

Estou tão cansada. E tenho a solidão estendida no chão. Hoje, agora, duas e cinco, sinto. E tudo o que sinto é dor. 


Quando é que chega, afinal, o dia indolor?










sexta-feira, outubro 15, 2010

Dilema nocturno




Tenho sono mas não me apetece ir dormir.

Dada a falta de livros, vou ver um filme.





É isso.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Linda Martini "Mulher a Dias"

Agora, a minha solidão vê-se melhor

I


Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
          Oferecendo a flor
          Que adiámos colher.


Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite 
           Não existe piedade
           Para aquele que hesita.


Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
           Longo indelével rasto
           Que o não-vivido deixa.


Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
           Vai sempre à frente
           Do que o teu próprio passo

(Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Obra Poética III)

Piquenique mental matinal. Terminada a poesia e a prosa, vou ver um filme de Hiroshi Teshigahara. Distracções para a solidão não se ver melhor e que vão bem com uma gripe em pleno Outono.

E agora, um chá com mel.

domingo, outubro 10, 2010

Crónica/insónia

Sem pretexto e porque o blogue carece de imagens e porque me apetece.


E porque gosto de gatos, apesar de o frontman (frontcat?) ser amarelo e não haver nenhum branco. 

Na próxima crónica/insónia falo sobre o debate que quero organizar sobre aquilo que me incomoda a sério. 

Isto foi uma coisa parva. Ponto final. Boa noite.

Sou uma anémona-menina


A presença das pessoas incomoda-me. Seja ela física ou não. Na maioria das vezes ou me aborrecem de morte ou me provocam um nervosismo, uma ansiedade de tal modo desconcertante que mal sei agir. É uma coisa ridícula, bem sei. Mas é também uma coisa que me transcende. 
E isto tudo para dizer, afinal, o quê? 
Que após 21 anos de um longo e exaustivo raciocínio (sim, sou atormentada desde que nasci! (sorriso malicioso)), concluí que não gosto de pessoas, tirando umas quantas que nem contam por já estarem mortas. 
A outra conclusão, ou direi antes, a verdadeira conclusão da única razão que fez escrever sobre isto, é que me incomoda receber visitas no blogue. Sim, até isso. Já sinto o nervosismo estúpido e muito característico da minha pessoa. Não tivesse tido eu a iluminação de criar mais um blogue, porque isto de escrever a preto e branco tem dias em que incomoda, portanto, resolvi escrever sobre azul e ser uma anémona-menina . O resultado foi uma referência à tão pequena e recém nascida anémona-menina por parte de um blogue que acompanho. O que levou a uma também pequena afluência de pessoas. Dito isto, e numa situação paradoxal, estou verdadeiramente aborrecida por saber que alguém me pode ler. É questionável se a finalidade de escrever é ser-se lido. Depende do indivíduo e da sua necessidade. Quanto a mim, julgo que não se adequa. Só quero ler, não quero ser lida.

Isto vem  confirmar que abomino pessoas e que já não posso ser uma anémona-menina. 

E olha que eu ainda era um feto, mergulhada em liquido amniótico de pó de ouro e magia. Diabos para as pessoas e os seus olhos que me obrigam a ser séria!

segunda-feira, outubro 04, 2010

Porque tu não tens nome existes

Reconheço este quarto impermeável
reconheço-te     estás adormecido
o peito muito aberto    as mãos luminosas
o grande talento dos teus dentes miúdos

Há o perigo de um grito lindíssimo
quando andas assim    comigo   no invisível

Quando a manhã vier sairás comigo
para o espaço que nos falta   para o amor
que nos falta

A aurora
está fatigada

a aurora
como um rio nosso
em torno dos elevadores

Tinha eu a idade
de um marselhês
silencioso
                          e tímido
Tu davas-me a lousa dos magos
o teu     riso     as letras
            mais obscuras do alfabeto

Foi há muito tempo
                ou agora
na caverna dos leões expressivos

A caverna que dá para a caverna
a caverna      os lagos diligentes

Belo tu és belo
como um grande espaço cirúrgico

Porque tu não tens nome     existes

A minha boca
sabe à tua boca

A minha boca
perdeu a memória
não pode falar     as palavras
entram no seu túnel
e não é preciso segui-las

Disse que és alto
alto
branco e despovoado

(Mário Cesariny de Vasconcelos, Uma Grande Razão)

segunda-feira, setembro 27, 2010

71

Dificilmente me convencerão de que a história do filho pródigo não é a lenda daquele que não queria ser amado. Quando era menino, todos o amavam lá em casa. Cresceu, e, como não tinha outra alternativa, habituou-se à brandura daqueles corações, enquanto foi menino.
Mas, quando já era rapaz, quis despojar-se dos seus hábitos. Não seria capaz de o dizer, mas quando andava ao acaso, lá fora, todo o dia, e já nem sequer queria que os cães o acompanhassem, era porque eles também o amavam. Porque nos seus olhares havia observação, envolvimento, expectativa e receio; porque, diante deles, também não se podia fazer nada que não os alegrasse ou ofendesse. Mas o que ele então pretendia era indiferença íntima do seu coração que muitas vezes o acometia de manhã cedo, nos campos, e com uma tal pureza que ele começava a correr para não ter tempo nem fôlego para ser mais do que um leve momento em que a manhã se torna consciente de si.

(...)
Ficará ele a fim de repetir a mentira da vida indefinida que lhe atribuem e de parecer-se com todos eles em toda a sua extensão do seu rosto? Dividir-se-á ele entre a sensível veracidade da sua vontade e o grosseiro engano com que se tornam insuportáveis a seus olhos? Desistirá ele de vir a ser aquilo que poderia prejudicar aqueles membros da sua família que apenas têm um coração fraco?

Não, ele partirá. Por exemplo, quando todos estiverem ocupados a preparar a mesa de aniversário com todos aqueles objectos mal adivinhados que deveriam, uma vez mais, tudo apaziguar. Partirá para sempre. Só muito mais tarde terá a nítida percepção de como nessa altura fez o propósito de nunca amar, para não colocar ninguém na terrível situação de ser amado. Anos depois recordar-se-á e, tal como outros propósitos, também este foi impossível. Pois ele amou e voltou a amar na sua solidão, esbanjando de cada vez toda a sua natureza e com um temor indizível pela liberdade do outro. Aprendeu lentamente a atravessar o objecto amado com os raios do seu sentimento, em vez de neles o consumir. E ficava mimado pelo encanto de conhecer através da figura cada vez mais transparente da amada, a imensidão que ela abria ao seu interminável desejo de posse.

(...)

Quem poderá descrever o que então lhe aconteceu? Que poeta será capaz de o convencer a conciliar a extensão dos seus dias passados com a brevidade da vida? Que arte é suficientemente ampla para evocar simultaneamente a sua figura esguia, coberta por um manto, e o espaço desmesurado das suas noites imensas? 
(...)
Os que contaram a história tentam, neste ponto, recordar-nos a casa, tal como ela era. Pois só aí passou pouco tempo, um pouco de tempo contado, todos em casa podem dizer quanto. Os cães envelheceram, mas ainda estão vivos. Conta-se que um deles uivou. Todas as tarefas diárias sofrem uma interrupção. Há rostos que assomam às janelas, rostos envelhecidos e adultos de uma semelhança comovente. E num desses rostos, num muito velho, reconhecimento desfere repentinamente a palidez do seu golpe. O reconhecimento? Verdadeiramente apenas o reconhecimento? - O perdão. O perdão de quê? - O amor. Meu Deus: o amor.

Ele, o que foi reconhecido, ocupado como estava, tinha deixado de pensar nisso: que o amor ainda pudesse existir. É compreensível que de tudo o que então aconteceu apenas fosse transmitido o seguinte: o seu gesto, o gesto inaudito que nunca antes se vira; o gesto de súplica com que se prostrou aos seus pés, implorando-lhes que não o amassem. Assustados e cambaleantes ergueram-nos à altura deles. Interpretaram à sua maneira a impetuosidade dele, perdoando-lhe. Deve ter sido para ele um alívio indescritível que todos o tenham entendido mal, apesar da evidência desesperada da sua atitude. Provavelmente foi capaz de ficar. Pois via cada vez melhor, de dia para dia, que o amor deles, de que tanto se envaideciam e que entre si secretamente encorajavam, não lhe dizia respeito. Quase era obrigado a sorrir quando eles se esforçavam e tornava evidente que eram poucas as possibilidades de se lhe referirem. 
O que sabiam eles sobre quem ele era? Ele era agora extremamente difícil de amar e sentia que só Alguém o poderia fazer. Mas esse ainda não queria.

Fim das Anotações

(Rainer Maria Rilke, As Anotações de Malte Laurids Brigge, tradução de Maria Teresa Dias Furtado)
Só solidão desfeita. é isso que trazes, é isso que deixas.

e assim me entristeces. e assim não me perdoo no tempo. e assim se endurece, embrutece, e assim, nos tornamos uma pedra.

Eu quero uma pérola no coração, aqui, agora e para sempre. E não quero, nem preciso que a felicidade me visite. Não admito, sequer, que ela me assalte de novo e que por razão alguma torne a acreditar noutro ser que não eu.

domingo, setembro 26, 2010

não haver palavras és tu a desaparecer.



abandono

a quem senão a ti direi
como estou triste? mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao ven-
to que não bate mais à tua porta? eu sei

que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. em cada um está Cristo

sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado

ser por este absurdo. morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.

não haver palavras és tu a desaparecer.



Bernardo Pinto de Almeida

Heroin and bananas



I guess that i just don't know.

me too.



E aquilo que mais me incomoda é, afinal, que tu te intrometas nos meus pensamentos.


Porque eu tinha razão sobre a minha não espontaneidade e tu vieste confirmar que é, de facto, uma coisa que devo manter.
Porque me fizeste perceber que, independentemente do facto de seres muito, mas mesmo muito inteligente, isso não faz com que deixes de agir como a maioria das pessoas.
O que me leva a crer que és um perfeito idiota. E eu, dito isto, uma pessoa patética que quis acreditar no contrário, pondo de parte todas as minhas (des)crenças pessoais criadas ao longo de anos, isto só porque ainda insisto em manter a magia. Aquela que tu insistentemente matas como se fosse tua, como se fosse nada. 
Creio que te (des)gosto e por algum motivo é Domingo de novo e isso é mesmo coisa que hoje não gosto.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Viva! (acho que não!)

Está tudo bem contigo, Marta? (Não, mas isso ainda te interessa?)

Não tenho aparecido, não te escrevi, e as poucas vezes que pensei em ti constatei que já não te quero lembrar, sequer.
Esta semana seria óptima para te esquecer de vez, o que me dizes a não tomarmos um café? Parece-te bem?
Não quero insistir muito no assunto, mas não quero que te lembres de mim só porque eu já me esqueci de ti.

*
Marta


(Tenho um monstro dentro do meu coração, a arranhar e a sangrar e a deixar-me morta. tenho um monstro fora de mim, a fazer-me chorar porque insiste em lembrar-te) (acho que a tristeza chegou e não sei o que lhe fazer, nem o que fazer de ti)

Não te lembres, deixa-me esquecer, deixa-me doer nesta coisa de carne e osso e palavras que sou. Eu sabia que não me ias gostar, eu sabia e deixei-te decepcionar-me. Porquê que fazes isto à Marta? Porquê?

domingo, setembro 19, 2010

Aquilo ali em cima é mentira...o mundo não é teu.

Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


(Adília Lopes, Quem Quer Casar Com a Poetisa?)



sábado, setembro 18, 2010

Tu
(pintado com o pé)

Quando fomos apresentados
em pequenos
beijaste a mão direita
dela
a minha
viraste-a do avesso
para beijares a tua
o que fizeste
cortei a minha mão
como manda a Bíblia
e deitei-a fora
sou feliz porque sou inteligente


(Adília Lopes, Caras Baratas)

Toma lá também tu um suspiro. Que um dia, quando me apetecer, eu digo-te o que diabos estava a pensar...

sexta-feira, setembro 17, 2010

Eurydice





Este é o traço que traço em redor do teu corpo amado e perdido
Para que cercada sejas minhas

Este é o canto do amor em que te falo
Para que escutando sejas minha

Este é o poema — engano do teu rosto
No qual eu busco a abolição da morte

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


( Une femme mariée, Jean Luc-Godard, 1964)

À revelação súbita, ao mistério das suas maravilhosas palavras.

E ao teu suspiro, que me doeu um instante, e agora lembro num labirinto de palavras. 
Seria cansaço ou lamento? Como uma primeira impressão que te escapa ao rosto tapado e que não mente.

São 17 e 56, disse-o baixinho. Olhei-te e repeti em voz alta, são 17 e 56 e só depois percebi que isso não se diz.


quarta-feira, setembro 15, 2010

Espera!

Deixa-me pensar um bocadinho....é que preciso mesmo de reflectir.
Não sei o que dizer. Aliás., é suposto saber o que dizer neste exacto momento?

Espera! Deixa-me pensar de novo....

Já passaram sete horas e ainda não sei o que pensar. Ridículo, bem sei.
Não percebo.
A ideia, breve, mas ideia, é que matei tudo com a minha lucidez, depois com a minha estupidez e, finalmente, comigo própria.
Não te memorizei o rosto, com medo de te olhar fixamente.
Não fiquei nervosa, mas temi todas as palavras que por breves instantes ousei dizer.

Eu disse, não tenho jeito para as pessoas, não tenho.

E não sei porquê, mas agora é que começo a duvidar de mim. Porque a Marta normalmente sentiria alguma coisa. Boa ou má, mas sentiria.

Amanhã penso nisso.

As coisas hão-de ser violentas, brilhantes e no fundo vão-me tocar, a cabeça vai estremecer e eu vou culpar-me. Eu sei. Sim, eu também tenho algum auto-conhecimento.

E depois não vais dizer nada. Porque eu não sou marcante, porque não há persistência na memória quando o objecto sou eu, eu física digo. Raios!

Olha, já sei tudo sobre a Adília Lopes, não um bocadinho, nem meia dúzia de poemas...
Agora posso ir ler Herberto Helder e ficar descansada. E depois posso ir dormir. Mas sei que me vou lembrar de ti. Sim, vou.

E depois, talvez quando for Domingo te lembres de mim. Ou então talvez me esqueças.
Até lá, só passaram oito horas.

E ainda tenho um "espera! Deixa-me pensar"...vai-se prolongar, vai, sim vai.

Depois digo-te o que pensei se pensar.

domingo, setembro 12, 2010

Canção da torre mais alta

Juventude ociosa
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.

Disse a mim mesmo: abandona,
E que ninguém te veja:
Nem mesmo a promessa
De alegrias mais altas.
Que nada te prenda, ou pare
Sublime retirada.

Dei tantas mostras de paciência
Que tudo eu para sempre olvide;
Temores e dores
Volatizaram-se nos céus.
Mesmo se uma sede doentia
Me obscurece as veias.

Assim o Prado
Deixado ao abandono,
Maturado e enflorido,
De cores-odores e ervas daninhas,
Entregue ao zumbido ensurdecedor
De sem moscas nojentas.

Ah! Mil vezes viúvo
Da trist'alma nua
Sem outra imagem
Que a da Senhora Mãe!
Será que se ora
À Virgem Maria?

Juventude ociosa
Escrava e submissa,
Por delicadeza,
Deixei fugir a minha vida.
Ah!, venha esse tempo
Com corações que se apaixonam.

( Arthur Rimbaud, O Rapaz Raro: iluminações e poemas, tradução de Maria Gabriela Llansol)

sábado, setembro 11, 2010

Mojo pin



A música chega por hoje.

Depois dou-te poesia e digo-te que ele ama Rimbaud. Depois.

quarta-feira, setembro 08, 2010

e eu que sou louco, um pouco, não ao ponto de ser belo ou maravilhoso
ou assintáctico ou mágico, mas:
um pouco louco,
porque faço com mãos estilísticas um invento fora e dentro dos estados
naturais:e a faúlha e o ar à volta dela, jóia, digo, quero-a de repente,
e as matérias maduras e dramáticas: ouro, petróleo:
e com que potência madibular me debruço sobre o prato,
e ávido e inculto,
com mão aprendiz colho o áspero alimento do mundo,
e rosto, membros, torso, radiações dos dedos,
trabalho no meu nome,
obra pequena de hemoglobina, enxôfre, células, osso, lume,
para estar mais perto de quem acaso me chame ou toque
---- eu,
sem beleza nem maravilha,
só dor,
desamor ou descuidada memória ----
mas conhece-me por isso que não é bem música,
talvez sim um som
dificílimo, seco, acerbo, rouco, côncavo, precaríssimo
de apenas consoantes,
pregos


(Herberto Helder, A faca não corta o fogo)


Hoje, tal como ontem, foi um dia outonal. Ontem esperei-te sabendo que não vinhas, esperei junto à parede, vendo a cortina de chuva e sentindo o cheiro a terra no ar. Sabia que não virias. Sabia e fiquei por lá remoendo o futuro como se de passado ou presente se tratasse. Temi a tua partida, mesmo antes de chegares. Serei eu louca. Não pouco como no poema, é certo. O medo é maior. Tu. Rapaz raro e estranho. Porque me fazes objectivar a luz e subitamente perder o espaço? 

O que eu tenho é sobretudo medo. Medo de viver. e vou desvivendo de desamor. e aguardando tristemente por ti, como se todos os dias fossem Outono.

Assim o será quando partires. e se agora cá não estiveres, não mais terei pedras cair sobre meu coração. mas apenas lágrimas, lágrimas outonais que caiem como hoje por razão nenhuma.



domingo, setembro 05, 2010


“Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”.

(Rainer Maria Rilke, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, tradução de Paulo Quintela)

Noite Antecipada

« (…)
Seguro na tua mão
e limpo-te a boca ao de leve.
sinto a tua mão gelada a apertar a minha.
Há vários dias que nem força tens para falar.
Agora o movimento da tua boca
indica que balbucias alguma coisa,
mas é impossível entender ao certo
o que me queres dizer.



Ergues, moribundo, as sobrancelhas
e olhas de novo na minha direcção.
Fitas-me com o mesmo sorriso na boca,
com a mesma expressão de horror nos olhos.
Abres mais o sorriso,
intensificas a expressão horrorizada
de quem sente de repente
a morte muito mais perto.
Balbucias de novo qualquer coisa,
mas é impossível entender ao certo
o que me queres dizer.»

(Frederico Lourenço, Santo Asinha e Outros Poemas)



Maldita idade que não é eterna, maldita morte que nos rouba a beleza da vida. Ninguém tão simples e sábio devia morrer. Ninguém. 
O poema lembra-me o avô moribundo, lembra-me a chegada da sua morte e o arrancar-lhe da magia. Lembra-me isso tudo e dá-me a certeza de que nunca hei-de compreender a morte da vida. 

terça-feira, agosto 31, 2010

segunda-feira, agosto 30, 2010

Com os olhos, sobre os olhos.


(Moreau, Orpheus)

Ver é sentir. 
Ver, ver pensando, ver ignorando. Sobre os olhos, os meus, que vêem através da negrura eterna, o sonho sonhado, o sonho vivido e o sonho perdido. Os mesmos que sem mudar, me esculpiram por dentro. Humedecidos por fora. Lembro-os com o brilho eterno, de quando era jovem, ainda mais jovem. Por eles tudo via, tudo sentia. Tudo estremecia. E sempre me falhavam quando confrontados com outros, eram subitamente vermelhos, estavam subitamente cobertos por lágrimas. Eram, desta forma, como o coração, incapaz de se ver noutro. Os olhos, os meus, há quem os diga triste, os olhos, os meus, digo-os felizes, pois sem eles jamais poderia ter-te contemplado. Com eles e sobre eles, a realidade vivida e o sonho sonhado, sem eles, ou de olhos fechados, a negrura eterna, o preto e branco, mais preto que branco.  Eles, meus mas não meus. Meus, cada vez mais meus. Sem eles, Orpheu não seria o mesmo. Com eles, Orpheu se demora fazendo-me sonhar acordada. Tudo se prolonga para lá deles, e eles, por fora, que tristes mentem. 



domingo, agosto 29, 2010

Parece que afinal ainda é Domingo e que isto não é um título. ponto.

acordo e ainda é domingo. 

raramente escrevo a palavra amor, raramente escrevo aquilo que não sinto. o mais estranho é que não te sinto, o mais estranho é que só te penso. porque tu infiltras-te 'aqui', no lado secreto do coração.  Os amores dantes sabiam a outra coisa menos racional, sentiam-se e bastava-me. raramente cansavam ou doiam. acho que a idade tende a matar 'isto' que sou. e o que sou afasta-se tanto das palavras doces e simples que fui. não era suposto elas falharem-me desta maneira, não era suposto petrificarem no peito com a dor, porque assim não sou eu, assim sou só a Marta. e isso nunca me chega, ficar do lado avesso da vida, do lado negro dos sonhos. Talvez sejas demasiado poético para caber na profundidade do meu peito e eu demasiado racional para de te sentir. porque os amores são, afinal de contas, para se sentirem, não é para fazer sentido.

domingo sempre me soube aos dias longos, onde tudo é puro e límpido e as memórias sem substância. ao domingo acreditava nas histórias de amor, na possibilidade de elas caberem nestas mãos, de caberem, no fundo, em mim. porque o ar carrega leveza e, ao domingo, não me apetece um coração emprestado. 


ao domingo as coisas não são obrigadas a fazer sentido. as palavras não precisam de ser maiúsculas. porra, ao domingo não me devia desintegrar, a culpa é do amor egoísta, a culpa é da Marta que já não acredita em histórias de amor e que raramente diz amor porque o sente. 

vou continuar a dormir até não ser domingo.
Boa noite.


Não faças esse ar cansado para me fazeres sentir estranha, afinal, só te queria falar de poesia e de mitologia. é que às vezes apetecia-me partilhar contigo aquilo que sei porque, sabes, já não faz sentido partilhar aquilo que sinto.  




sábado, agosto 28, 2010



Poderia haver frieza e doçura num só coração? Coração meu que tudo em mim bombeia, a duvida me percorre, o cansaço, o medo de me perder na implosão e de por fim calcificar e criar raizes nesta solidão. quem me fez assim triste não te sabia ainda. porque me dizes tu, com toda a certeza, que trago brilho em meus olhos, se nunca a negrura deles viste. perder-te-ias só de os ver. pérolas, pérolas nos olhos e no coração.

quarta-feira, agosto 25, 2010

A consciência diz-me incapaz de te apreender. Apreender com todos os neurónios, dizias tu. Como se fossemos só isto mecânico, simples e compreensível. Não, não somos. Somos alma, almas irrequietas, que pensam e recusam quando querem, tudo quanto querem. 

Maldita lucidez do espírito. Que veneno tens tu, porque lhe chamas magia e me corróis a alma de incerteza?

terça-feira, agosto 24, 2010

E se o brilho dos meus olhos se desvanecer? 

Que duvidas restar-te-iam sobre mim. Sobre o meu coração frio e distante, empoeirado e negro. E vazio, vazio de sensações, atacado pelo medo da dúvida. 

Ninguém como eu te basta.  

quinta-feira, agosto 12, 2010

Sem memória

Haverá para os dias sem memória
outro nome que não seja morte?
Morte das coisas limpas, leves:
manhã rente às colinas,
a luz do corpo levada aos lábios,
os primeiros lilases do jardim.
Haverá outro nome para o lugar
onde não há lembranças de ti?

(Eugénio de Andrade, O outro nome da terra)

segunda-feira, julho 12, 2010

Eternity was in our lips and eyes.

domingo, julho 11, 2010


Que sentido há nesta solidão que se prolonga nos dias. Que pessoa sou eu, senão um engano. Não me sinto eu, não faz sentido sentir-te. É tudo errado, tudo. não és tu. não sou eu.

A incerteza cravada no peito.


sexta-feira, maio 14, 2010





Pudesses algum dia ser mais verdade e eu mais irracional. Sabes, não se engana uma coisa frágil como eu, assim desta maneira. Sabes, por dentro já não há mais nada. por isso nunca te faria sentido. nunca faríamos sentido. 
não te quero pensar mais. ponto final. tu ias rasgar-me e doer-me.


Da próxima mantém-te distante e faz o favor de não me veres ou lembrares tão ridícula como ontem. Eu não sou isso e tu também nunca serás um amor por cá. Nem tu, nem nada que faça doer a memória como hoje.

Eu sou só uma coisas estúpida e solitária que se perde entre o desejo e o pensamento, que se desequilibra embriagada perante o teu vulto. E a culpa é das memórias e dos desamores malditos que hão-de sempre estar cá dentro a gritar.   E tu, tu desordenas isto tudo de uma maneira simples e invertes aquilo tudo que eu sou. E tu, tu não és um desamor. És o amor desconhecido e o medo de te gostar.


Ferida.

O teu nome debaixo da pele.

sábado, maio 01, 2010

Talvez o problema esteja em mim. tu não me viste e eu tornei-me ninguém. pairo nesta invisibilidade, coberta de solidão. sufoco. não luto. perdi.

não sei porque me entristeces mais uma vez, és simples memória, impossível de recuperar. és sempre fantasma.
e sou eu quem ninguém vê.
ninguém.

domingo, abril 25, 2010

quarta-feira, abril 07, 2010

A morte perdura de olhos abertos num desassossego eterno.




(Depois de Noite e Neblina)

Muito sinceramente, começo a duvidar que a maior ambição dos portugueses é tornar-se dançarino. Não esqueçendo o desejo já de longo prazo da carreira de cantor.
Agora mesmo muito, muito sinceramente. Não nos vamos tornar numa meca do bailado, nem sequer no reino das popstar semi pimba. Creio que já era hora de se estupidificar menos nesse objecto que nasceu somente para estupidificar. E ainda p'ra mais em massa.

segunda-feira, abril 05, 2010

No centro há uma morte, há uma sombra de crime. a sombra das horas, o mar sobre o vermelho. o gato branco enjaulado, pingando a tormenta cor-de-vinho na manta. O veneno corre assassino, em motim. no centro há a espera e a tua ausência piga-me à memória o negrume da revolta. era um animalperfeito de brancura translucida, manchado, crivado pelo homem-fera. na sombra há uma morte que cobre o centro da solidão. há um rio da sangue, que inunda as raizes, incendeia o espaço e aniquila a sua perfeição. era um animalperfeito impregnado de beleza eterna. era um animaleterno diluido na melancolia da solidão.

domingo, abril 04, 2010

Os corpos marchavam lentos, levados pela crença milenar. Assim nasceu a grande máquina. Em tempos houve de facto o modernismo. O homem mais racional, menos poluído, mais desmascarado. Não era um coração de plástico, nem um coração mecanizado. ainda não era cinemático. Hoje a demanda foi assassinada por designios maiores de valor menor. A máquina semeia a devassidão entre o homem-fera. Provavelmente seriamos mais férteis nesta terra estéril, não explodisse em nós o barulho surdo da modernidade a abstrata inconsciência da mente desolando a vida em tempos de paz. O homem-fera, a grande máquina, quero dizer, o grande pensamento vazio, esmagado, corroído, despedaçado pela desnecessária necessidade de ter. O homem-fera, a visão amarga. Perdeu o sossego e o perdão, cheira a desastre e a ausência, a velocidade, direi, é esmagadora. O homem-fera não dorme nesta selva cinzenta de animais tristes. O homem-fera esqueçeu o rasto dos ossos que o antecedeu. Luta a céu aberto a descrença milenar.
Agora estás arrumado, calcinado e em branco.
surges entre as palavras, coagulado, empoeirado.
és abstrato e mecanico e absoluto.
surges no fim com a solidão tóxica e com a dor petrificada no peito.
explodes com o barulho demolidor das luzes.
não podias ser tão intermédio, nem devias ser absolutamente nada.
agora bates na pele, infiltras a absoluta perdição no sangue.
perturba-me ver-te mudar de cor, ver-te atravessado no meio da casa.
no fim, isto é, no fim do mundo, quando ele chegar,
estarás por cá, enrraizado,
a reluzir a tua cor branca ou amarela, quimico e puro na memória.
eléctrico nas mãos e no ruido.
puro, nesta casa solidão da cidade nocturna.
a tua máquina tem um botão oculto,
a tua máquina está ao abandono.
a tua máquina está morta.
as tuas veias já não brilham em tons de metal.
a tua máquina vai ser demolida, vai criar raizes e ferir a memória.
és um ser soberbo,
és o ser absoluto e masculino.
extingues-te.
a tua falta tritura-me os dedos,
cobre-me as mãos com sangue cor de tangerina.
aperto tanto quanto posso o deslumbramento da tua morte,
és sangue de poeta,
frágil na alucinação.
decompõem-se os designios cósmicos inconclusivos 
e a dor de te pensar em absoluto e concreto.

ainda sobre deus:
deus é cinemático. às vezes fala italiano, hoje fala sânscrito. o que me leva a pensar que também é intemporal e eterno. é, concluido, cinemático, poliglota e megalomano.

sexta-feira, abril 02, 2010



Foi o amor. E pensar de mais. E essas outras coisas ocultas. Secaram-me o coração.

Ou então foste tu.
o deus ri e faz a sua dança macabra. ás vezes penso que ele é um mágico que nos vais piscando o olho e que nos envia barcos em direção à eternidade, mais ou menos como um autocarro sem paragens. andamos por cá a venera-lo, a beija-lo e ele acaba sempre por se meter dentro da tal caixa de madeira ou lá faz um truque e transforma-se em cinza. transformou-se numa coisa ausente, que aparece quando quer. ninguém gosta disso, do seu jogo de escondidas e de palavras pouco claras. é dificil pensar as coisas de uma maneira pouco concreta, também já faz pouco sentido pensar, somos umas máquinas, o deus ou o semi deus pensa por nós, aliás, o deus gosta de aparecer na televisão, mas também é só de vez em quando, não fosse tornar-se um hábito perigoso e a ociosidade ser maior. ele é um tanto preguiçoso, já não escreve e o pouco que deixou por cá é pouco claro, já pensei se seria uma anedota, sim, porque andamos em guerra a tentar adivinhar que deus será. por mim pode ser um tipo que faz magia e que envia mensagens para o telemóvel, aparece na televisão e que escreve de forma concreta. não que não o seja, apenas se limita à magia da invisibilidade e raramente me pisca o olho. nunca ninguém disse que ele era uma coisa má, porque se supôs que ele era a coisa boa, uma coisa invisivel mas boa. ou ninguém vê maldade neste jogo de xadrez transformado em guerra, ou o confundem com todas as sombras de bondade. é natural, seremos morte nada melhor que dançar, afinal o corpo está doente e a alma sofre de cancro, o olhos, esses estão cegos, quem se importa com aquilo que está escrito, ou quantas formas toma o deus, a verdade absoluta não se questiona, nem que seja mentira, o senhor deus disse e pronto, está dito, não me perguntem que deus. ele não pisca o olho à Marta, nem joga às cartas com ela, nem nunca passa na sua televisão.

quarta-feira, março 31, 2010

terça-feira, março 30, 2010

 não sei nada de amores ou de ti. desgastaste-te no tempo como a tinta e hoje raramente me tocas a memória, dirias tu que assim é mais simples ou indolor. o corpo espera lento e calmo, pernoitas aqui enquanto a vida se repete nesta espiral terrivel. não me reconheço nos dias, não sei quando e onde terei morrido. sabes, é tudo lentissimo ou inútil e as estrelas estão queimadas, já não estás nesta solidão que costumava ser breve. tentei lembrar outra coisa além da tristeza da dua ausência que me danificou e matou o corpo. faço este exercecio, escrevendo-te a lápis no papel. não imaginas quantos recomeços como este se repetiram, ou as noites em que tentei agarrar-te à memória na esperança que ficasses na solidão reconstruida. são dias de febre e de uma espécie de sono que se prolonga. não devias ter-me deixado aqui, neste lugar de desamor onde nada reconheço. não sei onde terás morrido ou quando. eu que pensava que as palavras tornariam jamais a ti. e tu voltas sem rosto para este lugar sem destino à felicidade. morreste-me e não te reconheci. hoje não digo tanto faz, por te tornares claro e humano em todos os recomeços do fingimento da morte.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Há-de flutuar uma cidade no crepusculo da vida



Cresceu-me uma pérola no coração.

sexta-feira, janeiro 22, 2010

quinta-feira, janeiro 21, 2010

I Am Stretched On Your Grave



I am stretched on your grave
And will lie there forever
With your hands held in mine
I'd be sure we'd not sever
My apple tree my brightness
'Tis time we were together
For I smell of the earth
And am stained by the weather

When my family thinks
That I'm safe in my bed
From night until morning
I am stretched at your head
Calling out to the air
With tears both hot and wild
Oh I grieve for the girl
That I loved as a child

The priests and the friars
Behold me in dread
Because I still love you
My love and you're dead
I would still be your shelter
From rain and from storm
And with you in your cold grave
I cannot sleep warm




quarta-feira, janeiro 20, 2010