quarta-feira, setembro 08, 2010

e eu que sou louco, um pouco, não ao ponto de ser belo ou maravilhoso
ou assintáctico ou mágico, mas:
um pouco louco,
porque faço com mãos estilísticas um invento fora e dentro dos estados
naturais:e a faúlha e o ar à volta dela, jóia, digo, quero-a de repente,
e as matérias maduras e dramáticas: ouro, petróleo:
e com que potência madibular me debruço sobre o prato,
e ávido e inculto,
com mão aprendiz colho o áspero alimento do mundo,
e rosto, membros, torso, radiações dos dedos,
trabalho no meu nome,
obra pequena de hemoglobina, enxôfre, células, osso, lume,
para estar mais perto de quem acaso me chame ou toque
---- eu,
sem beleza nem maravilha,
só dor,
desamor ou descuidada memória ----
mas conhece-me por isso que não é bem música,
talvez sim um som
dificílimo, seco, acerbo, rouco, côncavo, precaríssimo
de apenas consoantes,
pregos


(Herberto Helder, A faca não corta o fogo)


Hoje, tal como ontem, foi um dia outonal. Ontem esperei-te sabendo que não vinhas, esperei junto à parede, vendo a cortina de chuva e sentindo o cheiro a terra no ar. Sabia que não virias. Sabia e fiquei por lá remoendo o futuro como se de passado ou presente se tratasse. Temi a tua partida, mesmo antes de chegares. Serei eu louca. Não pouco como no poema, é certo. O medo é maior. Tu. Rapaz raro e estranho. Porque me fazes objectivar a luz e subitamente perder o espaço? 

O que eu tenho é sobretudo medo. Medo de viver. e vou desvivendo de desamor. e aguardando tristemente por ti, como se todos os dias fossem Outono.

Assim o será quando partires. e se agora cá não estiveres, não mais terei pedras cair sobre meu coração. mas apenas lágrimas, lágrimas outonais que caiem como hoje por razão nenhuma.



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