segunda-feira, outubro 04, 2010

Porque tu não tens nome existes

Reconheço este quarto impermeável
reconheço-te     estás adormecido
o peito muito aberto    as mãos luminosas
o grande talento dos teus dentes miúdos

Há o perigo de um grito lindíssimo
quando andas assim    comigo   no invisível

Quando a manhã vier sairás comigo
para o espaço que nos falta   para o amor
que nos falta

A aurora
está fatigada

a aurora
como um rio nosso
em torno dos elevadores

Tinha eu a idade
de um marselhês
silencioso
                          e tímido
Tu davas-me a lousa dos magos
o teu     riso     as letras
            mais obscuras do alfabeto

Foi há muito tempo
                ou agora
na caverna dos leões expressivos

A caverna que dá para a caverna
a caverna      os lagos diligentes

Belo tu és belo
como um grande espaço cirúrgico

Porque tu não tens nome     existes

A minha boca
sabe à tua boca

A minha boca
perdeu a memória
não pode falar     as palavras
entram no seu túnel
e não é preciso segui-las

Disse que és alto
alto
branco e despovoado

(Mário Cesariny de Vasconcelos, Uma Grande Razão)

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